terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Querer é poder,
é nada ter e tudo perder.
Voar em vão
sem medo de cair
perder a razão
querer fugir.

É amar sem saber
o que amor significa
é dar a perceber
que não sabes mentir
esconder a inocência,
ter receio de quem és
olhares ao espelho
e não saber quem vês.

é falhar continuamente
e no fim de cada volta
gritar perdidamente.
Não sabes quem és
nem por que tem de ser assim
sabes que voltaste a falhar
neste jogo sem fim.

é a horrível realidade
que nos molda a mente
em que te torna em algo
terrível e demente.
Perdes te em palavras
sem saber bem o que elas pintam
idealizando a poesia
que te corrói interiormente.

A espera agrava-se
O ontem é hoje
e o amanha nunca mais chega.
A cabeça palpita,
a dor agrava,
a incerteza aumenta.
O fim está próximo,
posso senti-lo.
desejo estar errado,
saber que é mentira.
e no entanto...
a verdade:
crua e nua.
pedes para fugir,
queres te esconder
sim, sei que é horrível,
"Meu, tem que ser"
E minha, quando serás?

Talvez nunca...
mas não custa tentar,
por que crer é poder...
e sabe tão bem desejar.

terça-feira, 24 de março de 2009

fogo e Pessoa

hoje eu quero arder
quero ser fogo
quero corromper em chamas
deixar de ser eu.

pela manha senti
que a força tinha abandonado o meu corpo
sinto-me tão frio
o gelo não permite movimentos.

então se a minha alma deixar arder
serei livre
para estudar mais um pouco de Pessoa.

Grandes são os desertos, e tudo é deserto. ( Álvaro de Campos )

Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.

Grandes são os desertos, minha alma!
Grandes são os desertos.

Não tirei bilhete para a vida,
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incómodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida,

Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar
Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem)
Acendo o cigarro para adiar a viagem,
Para adiar todas as viagens.
Para adiar o universo inteiro.

Volta amanhã, realidade!
Basta por hoje, gentes!
Adia-te, presente absoluto!
Mais vale não ser que ser assim.

Comprem chocolates à criança a quem sucedi por erro,
E tirem a tabuleta porque amanhã é infinito.

Mas tenho que arrumar a mala,
Tenho por força que arrumar a mala,
A mala.

Não posso levar as camisas na hipótese e a mala na razão.
Sim, toda a vida tenho tido que arrumar a mala.
Mas também, toda a vida, tenho ficado sentado sobre o canto das camisas empilhadas,
A ruminar, como um boi que não chegou a Ápis, destino.

Tenho que arrumar a mala de ser.
Tenho que existir a arrumar malas.
A cinza do cigarro cai sobre a camisa de cima do monte.
Olho para o lado, verifico que estou a dormir.
Sei só que tenho que arrumar a mala,
E que os desertos são grandes e tudo é deserto,
E qualquer parábola a respeito disto, mas dessa é que já me esqueci.

Ergo-me de repente todos os Césares.
Vou definitivamente arrumar a mala.
Arre, hei de arrumá-la e fechá-la;
Hei-de vê-la levar de aqui,
Hei-de existir independentemente dela.

Grandes são os desertos e tudo é deserto,
Salvo erro, naturalmente.

Pobre da alma humana com oásis só no deserto ao lado!

Mais vale arrumar a mala.
Fim.

4 - 9 - 1930

In Poesia , Assírio & Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002

um dia de chuva na companhia de Pessoa (Relatorio da visita de estudo)

Num dia de muita chuva,
visitamos nós Lisboa.
deveria-mos encontrar Pessoa,
só que poucas na rua se viam.

A chuva caía,
e pessoas caíam na armadilha,
de na rua se aventurar.

procuramos Pessoa.
procurá-mos em casa,
procurá-mos no seu baptizado,
procurá-mos no café,
até mesmo no "brazil"
tentá-mos a sorte na tabacaria.
e por fim, já ao almoço noutro café.

A chuva persistente
que cada vez menos incomodava
fez-me então pensar:
"Mas eu já encontrei Pessoa,
Pois ele é LIsboa!"

assassinos

morte:

mata-se um?

ou

matam-se vários?

matam-se 2!

mata-se este

mata-se aquele

mata-se Gomes Freire de Andrade

mata-se Humberto Delgado

matam-se inocentes

matam-se boas pessoas

matam-se pessoas

matam-se seres

mata-se incorrectamente,
quem não se deve matar.

poema tipo Alberto Caeiro. (por Andreia Guerra)

breve momento em que um olhar
me passa e me fixa.
Não sou nada para além da certeza de hoje
e nem quero saber do amanha.
incertezas são tristezas
e já as tenho de sobra.
Se a vida fosse só sonhar
ficava para sempre aqui
a pairar entre o sol e a lua
pela estrada e pela rua.
Se hoje é um dia como o de amanhã
porquê tanta especulação
sobre o que se fazer ou não?
quando o amanha for hoje
terá sido
tudo em vao

poema tipo Ricardo Reis

vive alguem nesse monte
enganando a morte com um sorriso
navegando em rios de chamas
onde a sabedoria de nada vale

breve momento em que um olhar
olhar esse, digno de quem nunca temeu
fita por momentos um mero mortal
traçando aì o seu destinho.